O BlogBESSS...

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e por isso, o elemento central do presente projeto da Biblioteca Escolar (BE).


O BlogBESSS é um espaço virtual de informação e de partilha de leituras e ideias. Aberto à comunidade educativa da ESSS e a todos os que pretendam contribuir para a concretização dos objetivos da BE:

1. Promover a leitura e as literacias;

2. Apoiar o desenvolvimento curricular;

3. Valorizar a BE como elemento integrante do Projeto Educativo;

4. Abrir a BE à comunidade local.


De acordo com a sua natureza e integrando os referidos objetivos, o BlogBESSS corresponde a uma proposta de aprendizagem colaborativa e de construção coletiva do Conhecimento, incentivando ao mesmo tempo a utilização/fruição dos recursos existentes na BE.


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PS - Uma leitura interessante sobre a convergência entre as Bibliotecas e os Blogues é o texto de Moreno Albuquerque de Barros - Blogs e Bibliotecários.


terça-feira, 19 de maio de 2015

terça-feira, 5 de maio de 2015

Teste de Português, 11º Ano, Turma G - Prof.º João Morais e Cenários de Resposta...

Enunciado

I 
Lê atentamente o seguinte excerto d’ Os Maias:
     Subitamente, com uma ideia, apalpou por sobre o bolso a carteira onde na véspera guardara a carta do Dâmaso… «Eu t’ arranjo!», murmurou ele. E abalou, desceu a Rua da Trindade, cortou pelo Loreto como uma pedra que rola, enfiou, ao fundo da Praça de Camões, num grande portão que uma lanterna alumiava. Era a redação d’ «A Tarde».
     Dentro do pátio desse jornal elegante fedia. Na escadaria de pedra, sem luz, cruzou um sujeito ancatarroado que lhe disse que o Neves estava em cima no cavaco. O Neves, deputado, político, director d’ «A Tarde», fora, havia anos, numas férias, seu companheiro de casa no Largo do Carmo; e desde esse Verão alegre em que o Neves lhe ficara sempre devendo três moedas, os dois tratavam-se por tu.
     Foi encontrá-lo numa vasta sala alumiada por bicos de gás sem globo, sentado na borda de uma mesa atulhada de jornais, com o chapéu para a nuca, discursando a alguns cavalheiros de província que o escutavam de pé, num respeito de crentes. Num vão de janela, com dois homens de idade, um rapaz esgalgado, de jaquetão de cheviote claro e uma cabeleira crespa que parecia erguida numa rajada de vento, bracejava como um moinho na crista de um monte. E, abancando, outro sujeito já calvo rascunhava laboriosamente uma tira de papel.
     Ao ver o Ega (um íntimo do Gouvarinho) ali na redacção, naquela noite de intriga, Neves cravou nele os olhos tão curiosos, tão inquietos, que o Ega apressou-se a dizer:
     – Nada de política, negócio particular… Não te interrompas. Depois falaremos.
     O outro findou a injúria que estava lançando ao José Bento, «essa grande besta que fora meter no bico da amiga do Sousa e Sá, o par do Reino» – e na sua impaciência saltou da mesa, travou do braço do Ega, arrastando-o para um canto:
     – Então que é?   
     – É isto, em quatro palavras. O Carlos da Maia foi ofendido aí por um sujeito muito conhecido. Nada de interessante. Um parágrafo imundo na «Corneta do Diabo», por uma questão de cavalos… O Maia pediu-lhe explicações. O outro deu-as, chatas, medonhas, numa carta que quero que vocês publiquem.
     A curiosidade do Neves flamejou:
     – Quem é?
     – O Dâmaso.
     O Neves recuou de assombro:
     – O Dâmaso!? Ora essa! Isso é extraordinário! Ainda esta tarde jantei com ele! Que diz a carta?
     – Tudo. Pede perdão, declara que estava bêbado, que é de profissão um bêbado…
     O Neves agitou as mãos com indignação:
     – E tu querias que eu publicasse isso, homem? O Dâmaso, nosso amigo político!... E que não fosse, não é questão de partido, é de decência! Eu faço lá isso!... Se fosse uma ata de duelo, uma coisa honrosa, explicações dignas… Mas uma carta em que um homem se declara bêbado! Tu estás a mangar!
     Ega, já furioso, franzia a testa. Mas o Neves, com todo o sangue na face, teve ainda uma revolta àquela ideia de o Dâmaso se declarar bêbado!
     – Isso não pode ser! É absurdo! Aí há história… Deixa ver a carta.
     E, mal relanceara os olhos ao papel, à larga assinatura floreada, rompeu num alarido:
     – Isto não é o Dâmaso nem é letra do Dâmaso!... Salcede! Quem diabo é Salcede? Nunca foi o meu Dâmaso!   
     – É o meu Dâmaso – disse o Ega. – O Dâmaso Salcede, um gordo…
     O outro atirou os braços ao ar:
     – O meu é o Guedes, homem, o Dâmaso Guedes! Não há outro! Que diabo, quando se diz o Dâmaso é o Guedes!...
     Respirou com alívio:
     – Irra, que me assustaste! Olha agora neste momento, com estas coisas de Ministério, uma carta dessas escrita pelo Guedes… Se é o Salcede, bem, acabou-se! Espera lá… Não é um gordalhufo, um janota que tem uma propriedade em Sintra? Isso! Um maganão que nos entalou na eleição passada, fez gastar ao Silvério mais de trezentos mil réis… Perfeitamente, às ordens… Ó Parreirinha, olhe aqui o sr. Ega. Tem aí uma carta para sair amanhã, na primeira página, tipo largo…
     O sr. Parreirinha lembrou o artigo do sr. Vieira da Costa sobre a reforma das pautas.
     – Vai depois! – gritou o Neves. – As questões de honra antes de tudo!

Documentando as tuas afirmações com passagens do texto, responde ao seguinte questionário: 

1)      Identifica o episódio transcrito e localiza-o na ação da obra. 
2)      Tendo em conta o período literário em que se insere a obra, analisa a função deste episódio. 
3)       Caracteriza a personagem Neves e estabelece um paralelo com Palma Cavalão. 
4)      « […] discursando a alguns cavalheiros de província que o escutavam de pé, num respeito  de crentes.»
Qual é a figura de estilo que, ao nível semântico, se realiza nesta passagem? Qual é a sua função no que se prende com a representação social?  
5)       Identificando o artifício teatral que se realiza nesta passagem, que tem a ver com a diferença de saberes dos interlocutores, comenta a sua função na mensagem deste episódio.


Cenários de resposta 
                                               ( Madalena Novais e Tiago Jerónimo)

1. A passagem transcrita pertence ao episódio do jornal “A Tarde” (“Era a redação d’ «A Tarde» ”), que se encontra no capítulo XV d’ Os Maias e faz parte da crónica de costumes. Antes deste episódio, Dâmaso fez publicar no jornal “A Corneta do Diabo”, cujo diretor é Palma Cavalão, um artigo onde insultava Carlos e expunha a sua relação amorosa com Maria Eduarda. João da Ega, ao saber desta publicação, informa Carlos; os dois encontraram-se com Palma para descobrirem o autor (Dâmaso). Assim, depois de o terem obrigado a escrever uma carta de pedido de desculpas a Carlos, declarando que estava bêbado, Ega publicou-a no jornal “A Tarde”.
            Imediatamente antes, porém, de Ega se ter deslocado ao jornal “A Tarde” com o objetivo de publicar a carta de Carlos, ele viu a antiga amante, Raquel Cohen, na companhia de Dâmaso Salcede, no teatro Ginásio, o que veio provocar o seu ciúme e a sua ira, razões imediatas da decisão do amigo de Carlos de publicar a mesma carta.

2. Esta obra insere-se no período literário em que o Ultrarromantismo está em decadência e o Realismo e o Naturalismo são valorizados. Os Maias pretendem criticar os vícios da sociedade lisboeta da segunda metade do século XIX. Este episódio, em particular, tem a função de realçar a parcialidade, os subornos, a corrupção e a incompetência dos jornalistas da época e o seu compadrio com a política.
            O Realismo defendia uma literatura com uma função crítica e morigeradora dos males da sociedade, o que Eça faz relativamente à vida social de Lisboa da segunda metade de oitocentos.
            Neste episódio, o jornalismo português é criticado pela falta de deontologia do redator d’ “A Tarde” (“[…] Se é o Salcede, bem, acabou-se! Espera lá… Não é o gordalhufo, um janota que tem propriedade em Sintra?”), jornal este que é uma extensão política do partido de Neves: “[…] discursando a alguns cavalheiros de província que o escutavam de pé, num respeito de crentes.”. Assim, denuncia igualmente a macrocefalia da capital relativamente à província.  

3. Neves, “deputado, político”, é o diretor do jornal “A Tarde”. Tem um ascendente político sobre correligionários da província (“[…] discursando a alguns cavalheiros de província que o escutavam de pé, num respeito de crentes.”) e é uma personagem que representa o jornalismo partidário que só publica o que interessa à cor política dos seus proprietários e correlegionários.
Quando Ega lhe pede para publicar a carta de Dâmaso a pedir desculpa a Carlos, Neves mostra-se parcial por pensar estarem a falar de Dâmaso Guedes, seu amigo político, a quem não queria ofender. Após perceber que Ega e Carlos falavam de Dâmaso Salcede, aceitou publicar a carta e aproveitou-a para se vingar politicamente (“- Isto não é o Dâmaso nem é letra do Dâmaso!... Salcede! Quem diabo é Salcede? Nunca foi meu Dâmaso! […] Se é o Salcede, bem, acabou-se!”).
            Palma Cavalão, diretor do jornal “ A Corneta do Diabo”, tem o único objetivo de lucrar com o jornalismo nem que seja através de subornos, sem se preocupar com quem possa prejudicar. Representa o jornalismo reles, escandaloso e corrupto, mas, também, a falta deontologia e de serviço público no jornalismo. 
Assim, podemos concluir que tanto Palma com Neves representam o meio jornalístico em decadência.

4. A figura de estilo que, ao nível semântico, se realiza nesta passagem é a ironia. Eça de Queirós pretende ridicularizar a tão grande importância que os “cavalheiros de província” davam às altas posições sociais na capital. Nesta passagem, Neves aproveita a sua posição influenciando politicamente os seus ouvintes ignorantes, que o respeitavam e o ouviam atentamente: “[…] cavalheiros de província […], num respeito de crentes.”. Eça denuncia, assim, a macrocefalia da capital relativamente ao resto do país.

5. O artifício teatral que se realiza nesta passagem é o qui pro quo, que consiste num equívoco pela diferença de saberes. Isto acontece quando Neves pensa que Ega está a falar de Dâmaso Guedes. O equívoco é destruído quando Neves percebe que, na verdade, ele está a referir-se a Dâmaso Salcede (“- O Dâmaso!? Ora essa! Isso é extraordinário! Ainda esta tarde jantei com ele! Que diz a carta? […] Isso não pode ser! É absurdo! Aí há história… […]”).
Com este artifício, cria-se tensão nas personagens e no leitor, concorrendo, assim, para o interesse em conhecermos a razão da recusa e o aumento do interesse da leitura.

Teste de Português, 11º Ano, Turma A - Prof.º João Morais e Cenários de Resposta...

                                           Enunciado


            Lê atentamente a seguinte passagem d’ Os Maias:
           
Os criados serviram o café. E como havia já três longas horas que estavam à mesa, todos se ergueram, acabando os charutos, conversando, na animação viva que dera o champanhe. A sala, de teto baixo, com os cinco bicos de gás ardendo largamente, enchera-se de um calor pesado, onde se ia espalhando agora o aroma forte das chartreuses e dos licores por entre a névoa alvadia do fumo.
            Carlos e Craft, que abafavam, foram respirar para a varanda; e aí recomeçou logo, naquela comunidade de gostos que os começava a ligar, a conversa da Rua do Alecrim sobre a bela coleção dos Olivais. Craft dava detalhes; a coisa rica e rara que tinha era um armário holandês do século XVI; de resto, alguns bronzes, faianças e boas armas…
            Mas ambos se voltaram ouvindo, no grupo dos outros, junto à mesa, estridências de voz, e como um conflito que rompia: Alencar, sacudindo a grenha, gritava contra a palhada filosófica; e do outro lado, com o cálice de conhaque na mão, Ega, pálido e afetando uma tranquilidade superior, declarava toda essa babuge lírica que por aí se publica digna da polícia correcional…
            – Pegaram-se outra vez – veio dizer Dâmaso a Carlos, aproximando-se da varanda. – É por causa do Craveiro. Estão ambos divinos!
            Era com efeito a propósito de poesia moderna, Simão Craveiro, do seu poema «A Morte de Satanás». Ega estivera citando, com entusiasmo, estrofes do episódio da «Morte», quando o grande esqueleto simbólico passa em pleno sol no Boulevard, vestido como uma cocotte arrastando sedas rumorosas:
         E entre duas costeletas, no decote,
Tinha um «bouquet» de rosas!

            E o Alencar, que detestava o Craveiro, o homem da «Ideia Nova», o paladino do Realismo, triunfara, cascalhara, denunciando logo nessa simples estrofe dois erros de gramática, um verso errado, e uma imagem roubada a Baudelaire!
            Então Ega, que bebera um sobre outro dois cálices de conhaque, tornou-se muito provocante, muito pessoal.
            – Eu bem sei porque tu falas, Alencar – dizia ele agora. – E o motivo não é nobre. É por causa do epigrama que ele te fez:
 O Alencar d’ Alenquer,
     Aceso com a Primavera…

– Ah, vocês nunca ouviram isto? – continuou ele voltando-se, chamando os outros. – É delicioso, é das melhores coisas do Craveiro. Nunca ouviste, Carlos? É sublime, sobretudo esta estrofe:

O Alencar d’ Alenquer
Que quer? Na verde campina
Não colhe a tenra bonina
Nem consulta o malmequer…
Que quer? Na verde campina
O Alencar d’ Alenquer
Quer menina!

Eu não me lembro do resto, mas termina com um grito de bom senso, que é a verdadeira crítica de todo esse lirismo pandilha:
 O Alencar d’ Alenquer
Quer cacete!

Alencar passou a mão pela testa lívida, e com o olho cavo fito no outro, a voz rouca e lenta:
– Olha, João da Ega, deixa-me dizer-te uma coisa, meu rapaz… Todos esses epigramas, esses dichotes lorpas do raquítico e dos que o admiram, passam-me pelos pés como enxurro de cloaca… O que faço é arregaçar as calças! Arregaço as calças… Mais nada, meu Ega. Arregaço as calças!
E arregaçou-as realmente, mostrando a ceroula, num gesto brusco e de delírio.
 
Questionário

            Documentando as tuas afirmações com passagens do texto, responde ao seguinte questionário:


            1- Localiza este excerto na estrutura da obra. Justifica a tua resposta.

            2 - Analisa a orientação estética defendida por João da Ega.

            3- Faz a caracterização de Alencar tendo em conta a conceção e a representação social desta personagem.

            4 - Será que a tensão vai variando de intensidade ao longo deste excerto? Justifica a tua resposta.

            5 – Estabelece um paralelo entre este episódio aqui representado e o final da obra no que se prende com a relação entre Romantismo, por um lado, e Realismo e Naturalismo, por outro.


                                   Cenários de resposta 
                   (Rafael Caseiro Lemos e Ricardo Duarte Silva Morgado)



Questionário

1. Quanto à estrutura externa, este excerto localiza-se no capítulo VI da obra Os Maias, correspondendo, no que toca à estrutura interna, ao episódio do Jantar no Hotel Central («E como havia já três longas horas que estavam à mesa […]»). O excerto relaciona-se com o subtítulo Episódios da Vida Romântica por se tratar de informação relativa à crónica de costumes. É precedido pelo momento em que se dá o primeiro contacto entre Carlos e Maria Eduarda, à entrada do Hotel Central, onde estão alojados os Castro Gomes, e sucedido pelo passeio de Carlos com Alencar pelo Aterro até ao Ramalhete e, de seguida, por um momento de exploração do espaço psicológico de Carlos, um sonho em que reviveu este primeiro encontro com a mulher que amará.

2. A orientação estética defendida por João da Ega é o Realismo e o seu prolongamento, o Naturalismo, correntes bastante influenciadas pela ciência e pela filosofia do século XIX, que se caracterizam pela análise rigorosa dos factos e suas causas. Esta sua orientação está representada nos seguintes versos de Simão Craveiro: «E entre duas costeletas, no decote,/ Tinha um «bouquet» de rosas!». Opõe-se ao Romantismo, movimento artístico em que Alencar se insere («[…] toda essa babuge lírica que por aí se publica digna da polícia correcional…»).

3. Quanto à sua conceção, Alencar é uma personagem tipo, representando uma parte da alta sociedade portuguesa da época. É um poeta romântico que vê, agora, a deterioração não só da cultura à sua volta («[…] detestava o Craveiro, o homem da «Ideia Nova», o paladino do Realismo […]»; «Era outra coisa, meu Carlos! Vivia-se! Não existiriam esses ares científicos, toda essa palhada filosófica, esses badamecos positivistas…») mas também da sua vida social, ou seja, a franca diminuição da sua influência no meio lisboeta («E aquele charuto dado a um homem tão rico, ao dono do Ramalhete, fazia-o por um momento voltar aos tempos em que nesse Marrare ele estendia em redor a charuteira cheia […]»).

4. A tensão vai crescendo ao longo do excerto, devido ao conflito literário entre João da Ega e Alencar. Cada um defende a sua orientação estética: Alencar, o Romantismo, e João da Ega, o Realismo e o Naturalismo. A intensidade aumenta a partir do momento em que Ega se torna «muito provocante, muito pessoal», troçando do outro ao citar um epigrama de Craveiro («O Alencar d’Alenquer/ Quer cacete!»), deixando Alencar lívido e indignado («E arregaçou-as [calças] realmente, mostrando a ceroula, num gesto brusco e de delírio.»), ficando as restantes personagens bem como o leitor na expectativa de que poderá ter lugar um desfecho com muita agressividade física.

5. Neste episódio do Jantar no Hotel Central as correntes realista e naturalista são representadas por João da Ega, que defende a implementação da «Ideia Nova» como forma de romper com o ideal romântico da época («Ega estivera citando, com entusiasmo, estrofes do episódio da «Morte», quando o grande esqueleto simbólico passa em pleno sol no Boulevard, vestido como uma cocotte arrastando sedas rumorosas: […]»), cuja representação máxima n’ Os Maias é feita através de Tomás de Alencar («Era com efeito a propósito de poesia moderna, Simão Craveiro, do seu poema “A Morte de Satanás”.»).
Pelo contrário, no final da obra, aquando do passeio final de Carlos da Maia e João da Ega por Lisboa, este último confessa que, na verdade, nunca passaram de românticos: «- E que somos nós? […] Românticos: isto é, indivíduos inferiores que se governam na vida pelo sentimento, e não pela razão…». Os dois intelectuais, apesar de todos os projetos que idealizaram ao longo da vida, não foram capazes de implementar a «Ideia Nova», que tanto defendiam, tendo regido toda a sua vida pela demissão e pelo sentimento, emblema do Romantismo.

Teste de Português, 11º Ano, Turma C - Prof.º João Morais e Cenários de Resposta...

                                           Enunciado

I

Lê, com atenção, o seguinte excerto d’ Os Maias.
– Falhamos a vida, menino!
– Creio que sim... Mas todo o mundo mais ou menos a falha. Isto é, falha-se sempre na realidade aquela vida que se planeou com a imaginação. Diz-se: «Vou ser assim, porque a beleza está em ser assim.». E nunca se é assim, é-se invariavelmente assado, como dizia o pobre marquês. Às vezes melhor, mas sempre diferente.
Ega concordou, com um suspiro mudo, começando a calçar as luvas.
O quarto escurecia no crepúsculo frio e melancólico de inverno. Carlos pôs também o chapéu: e desceram pelas escadas forradas de veludo cor de cereja, onde ainda pendia, com um ar baço de ferrugem, a panóplia de velhas armas. Depois na rua Carlos parou, deu um longo olhar ao sombrio casarão, que naquela primeira penumbra tomava um aspeto mais carregado de residência eclesiástica, com as suas paredes severas, a sua fila de janelinhas fechadas, as grades dos postigos térreos cheias de treva, mudo, para sempre desabitado, cobrindo-se já de tons de ruína.
Uma comoção passou-lhe na alma, murmurou, travando do braço do Ega:
 – É curioso! Só vivi dois anos nesta casa, e é nela que me parece estar metida a minha vida inteira!
Ega não se admirava. Só ali, no Ramalhete, ele vivera realmente daquilo que dá sabor e relevo à vida – a paixão.
– Muitas outras coisas dão valor à vida... Isso é uma velha ideia de romântico, meu Ega!
 – E que somos nós? – exclamou Ega. – Que temos nós sido desde o colégio, desde o exame de latim? Românticos: isto é, indivíduos inferiores que se governam na vida pelo sentimento e não pela razão...
Mas Carlos queria realmente saber se, no fundo, eram mais felizes esses que se dirigiam só pela razão, não se desviando nunca dela, torturando-se para se manter na sua linha inflexível, secos, hirtos, lógicos, sem emoção até ao fim...
– Creio que não – disse o Ega. – Por fora, à vista, são desconsoladores. E por dentro, para eles mesmos, são talvez desconsolados. O que prova que neste lindo mundo ou tem de se ser insensato ou sem sabor...
 – Resumo: não vale a pena viver...
– Depende inteiramente do estômago! – atalhou Ega.
Riram ambos. Depois Carlos, outra vez sério, deu a sua teoria da vida, a teoria definitiva que ele deduzira da experiência e que agora o governava. Era o fatalismo muçulmano. Nada desejar e nada recear... Não se abandonar a uma esperança – nem a um desapontamento. Tudo aceitar, o que vem e o que foge, com a tranquilidade com que se acolhem as naturais mudanças de dias agrestes e de dias suaves. E, nesta placidez, deixar esse pedaço de matéria organizada, que se chama o Eu, ir-se deteriorando e decompondo até reentrar e se perder no infinito Universo... Sobretudo não ter apetites. E, mais que tudo, não ter contrariedades.
Ega, em suma, concordava. Do que ele principalmente se convencera, nesses estreitos anos de vida, era da inutilidade do todo o esforço. Não valia a pena dar um passo para alcançar coisa alguma na terra –  porque tudo se resolve, como já ensinara o sábio do Eclesiastes, em desilusão e poeira.


Construindo frases bem estruturadas e documentando as tuas afirmações com passagens do texto, responde ao questionário que segue.

1-      Localiza este excerto na estrutura da obra. Justifica a tua resposta.

2-      Analisa o simbolismo do espaço físico no quarto parágrafo do texto.

3-      «Falhamos a vida, menino!»

Explica o que há de fatalista na reação de Carlos a esta constatação de Ega.

 4-      «Que temos nós sido desde o colégio, desde o exame de latim? Românticos […].»

Haverá coerência em Ega entre este ponto de vista e o que ele defende no episódio do Hotel Central? Justifica a tua resposta.
  5 -      «É curioso! Só vivi dois anos nesta casa, e é nela que me parece estar metida a minha vida inteira!»
Tendo em conta a conceção da personagem, analisa o tratamento do tempo nesta passagem.

                                  Cenários de resposta 
                                  (Clara Sampaio e Sofia Menezes)

1.      Em relação à estrutura externa, este excerto localiza-se no capítulo XVIII d’Os Maias.
Quanto à estrutura trágica, situa-se depois da anagnórise (a revelação de que Carlos e Maria Eduarda são irmãos) e do desenlace trágico, que ocorrem no capítulo XVII da obra.
Ainda relativamente à estrutura interna, é neste capítulo que Carlos da Maia e João da Ega se reencontram em Lisboa, depois de Carlos ter estado dez anos ausente, e reencontram outras personagens com quem conviveram no seu tempo de permanência em Lisboa, o que significa que esta passagem se inscreve na crónica de costumes (Episódios da Vida Romântica).
Este episódio tem a função de epílogo, visto que constitui a conclusão da história: os dois amigos avaliam a vida humana como uma fatalidade – não podendo ser alterado o seu destino (‘’Do que ele principalmente de convencera […] era da inutilidade de todo o esforço.”).
2.      Quanto ao simbolismo do Ramalhete, este apresenta-se “frio”, o que nos é sugerido através da referência à estação do ano “Inverno”, representando esta temperatura, agora, a falta de sentimento no coração de Carlos, bem como a morte de Afonso que ocorreu naquele lugar (“[...] frio e melancólico de Inverno.”). A melancolia que o frio adquire é também experimentada por Carlos, simbolizando o seu estado de espírito agreste.
 A falta de luminosidade merece também importância para o simbolismo nesta passagem (“[…] janelinhas fechadas […]”, “[…] sombrio casarão.”), visto que, sendo a luz um sinal do caminho a seguir, traduz a falta de objetivos na vida de Carlos, que abandonou todos os seus projetos.
A “ferrugem” das velhas armas revela o seu caráter antigo e de desuso, que, juntamente com os “tons de ruína” do Ramalhete, simboliza o abandono de Carlos da Maia relativamente a Maria Eduarda (“[…] para sempre desabitado, cobrindo-se já de tons de ruína.”).
Por fim, a palavra “mudo” relaciona-se tanto com o abandono do Ramalhete, visto já não estar habitado e, então, já não se ouvirem vozes ou quaisquer movimentos, como também se relaciona com o silêncio no interior de Carlos, que se vai assumir como romântico, desmanchando-se assim todas as suas ideias e discursos realistas.
3. Ao concordar com a constatação de Ega, Carlos revela uma reação de concordância com o fatalismo (“Creio que sim…”). Para além disto, considera que o mundo e os acontecimentos são imutáveis, ou seja, controlados pelo destino (“[…] falha-se sempre na realidade aquela vida que se planeou com a imaginação. […] às vezes melhor, mas sempre diferente.”), o que significa que há uma falta de controlo humano na vida e a impossibilidade de se explicar o homem dentro dum esquema lógico. Por outras palavras, esta conceção fatalista da existência significa a descrença do Naturalismo na obra.
4. No episódio do Hotel Central, por um lado, Ega revela-se naturalista e realista (“Ega horrorizado apertava as mãos na cabeça – quando do outro lado Carlos declarou que o mais intolerável no realismo eram os seus grandes ares científicos, a sua pretensiosa estética deduzida de uma filosofia alheia […] ”), combatendo a poesia ultra-romântica defendida por Alencar.
Por outro lado, este excerto apresenta uma atitude claramente romântica de Ega, dando muita importância à paixão na sua vida (“Ega não se admirava. Só ali, no Ramalhete, ele vivera realmente daquilo que dá sabor e relevo à vida – a paixão.”).
           Concluindo, não há coerência entre os discursos produzidos por Ega nestes dois episódios uma vez que, enquanto personagem modelada, foi-se autorrevelando ao longo da história, reconhecendo, por fim, que toda a sua vida foi romântico, deixando-se, assim, guiar pelo coração.
5. Nesta passagem constata-se um contraste entre o tempo real da diegese com o tempo que a personagem Carlos da Maia vai filtrando no seu interior. 
O tempo da história de um ano e quatro meses é assumido interiormente pela personagem com a duração de “dois anos” e, mesmo, de uma sensação de duração de toda a sua vida.
Carlos sente que foi no Ramalhete que esteve a sua inteira porque foi esse o tempo em que ele e Maria Eduarda viveram a paixão (“Só ali, no Ramalhete, ele vivera realmente daquilo que dá sabor e relevo à vida – a paixão.”).
Carlos tem, então, densidade psicológica, daí se ter autorrevelado interiormente, tal como Ega, como romântico, com a capacidade de no seu interior se transformar a realidade envolvente e, com ela, o próprio tempo.