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Blog ou Blogue, na grafia portuguesa, é uma abreviatura de Weblog. Estes sítios permitem a publicação e a constante atualização de artigos ou "posts", que são, em geral, organizados através de etiquetas (temas) e de forma cronológica inversa.


A possibilidade de os leitores e autores deixarem comentários, de forma sequencial e interativa, corresponde à natureza essencial dos blogues
e por isso, o elemento central do presente projeto da Biblioteca Escolar (BE).


O BlogBESSS é um espaço virtual de informação e de partilha de leituras e ideias. Aberto à comunidade educativa da ESSS e a todos os que pretendam contribuir para a concretização dos objetivos da BE:

1. Promover a leitura e as literacias;

2. Apoiar o desenvolvimento curricular;

3. Valorizar a BE como elemento integrante do Projeto Educativo;

4. Abrir a BE à comunidade local.


De acordo com a sua natureza e integrando os referidos objetivos, o BlogBESSS corresponde a uma proposta de aprendizagem colaborativa e de construção coletiva do Conhecimento, incentivando ao mesmo tempo a utilização/fruição dos recursos existentes na BE.


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(Leia a mensagem de 10 de abril de 2009).


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BlogBESSS e as indicações de "Como Comentar.." nas mensagens de 10 de fevereiro de 2009.


A Biblioteca Escolar da ESSS

PS - Uma leitura interessante sobre a convergência entre as Bibliotecas e os Blogues é o texto de Moreno Albuquerque de Barros - Blogs e Bibliotecários.


segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

A Cidade em Cesário Verde enquanto Lugar de Opressão e de Deslumbramento

Cenários de resposta do teste de Português de 1 de dezembro de 2015

Leonardo Chaves, 12º F
Professor João Morais


A cidade de Cesário Verde é a Lisboa do século XIX, uma cidade que veio a conhecer a industrialização.

É uma cidade que se expande, que acolhe cada vez mais indústrias e que, por isso, se torna cada vez mais desconfortável e, sobretudo, mais suja e insalubre, agravando e evidenciando as várias disparidades existentes entre as classes sociais.

Este ambiente citadino díspar e insalubre é claramente evidenciado no poema "Cristalizações", no qual o sujeito poético observa os calceteiros, que trabalham "terrosos", no chão, dando bem a ideia de insalubridade e labor árduo das classes sociais mais baixas, o que contrasta, fortemente, com a vida ociosa e perdulária das classes mais abastadas.

A observação desta realidade citadina decadente e injusta faz com que Cesário louve o trabalho das gentes humildes e trabalhadoras, como os calceteiros in "Cristalizações", o que não invalida, no entanto, que Cesário se sinta enclausurado e oprimido, na cidade como sublinhará ao longo de todo o poema «O Sentimento dum Ocidental».

Todavia, a cidade também se afirma como um lugar de deslumbramento em Cesário Verde. Tal deslumbramento provém das diversas perceções sensoriais que o sujeito lírico experimenta.

Na quarta parte («Horas mortas») d' "O Sentimento dum Ocidental", o eu remete, sobretudo, para a perceção visual da cidade, não deixando, porém, de exercitar outras sensações, como a sensação auditiva. No mesmo poema, Cesário escuta o som dum prego a soltar-se dum telhado, capaz de constituir, para ele, um "deslumbramento".

Esta experimentação das sensações que se produzem na cidade induzem nele o desejo de "eternamente buscar e conseguir a perfeição das coisas".

Em suma, podemos concluir que a cidade na poesia de Cesário Verde se apresenta, simultaneamente, como um lugar de opressão e deslumbramento.

O povo de Lisboa: uma personagem coletiva e épica

Cenários de resposta do teste de Português de 30 de novembro de 2015, 10º C

Grupo III

O povo de Lisboa é uma das personagens da Crónica de D. João I que se reveste de uma importância capital para o desenrolar dos acontecimentos que culminarão no início da dinastia de Avis para o que teve se ultrapassar provações de grandes proporções. Por isso, é considerado uma personagem épica e coletiva.
Uma personagem épica é aquela que realiza ações em grande escala, de superação, e uma personagem coletiva é aquela que representa um grupo de indivíduos que age por uma só vontade e é animada por sentimentos, interesses e objetivos comuns. 
No capítulo 11 da Crónica, encontramos a população de Lisboa a agir corajosamente e em comunidade para tentar salvar o Mestre de Avis, que, aparentemente, se encontrava em perigo, ameaçando incendiar os Paços da Rainha e mostrando, de seguida, uma enorme alegria por ele estar salvo. 
No capítulo 115 é mostrado mais uma vez o seu espírito do comunidade, quando os habitantes da cidade se reparam para o cerco castelhano e oferecem a sua ajuda militar e civil para o que for necessário.
Ainda no capítulo 148, em “Esforçavom-se uus por consolar os outros, por dar remedio a seu grande nojo…”, observamos também que, apesar de todas as gentes de Lisboa atravessarem um período muito complicado com o cerco do inimigo, tentavam, porém, ajudar o próximo nem que fosse com algumas palavras de consolo.
Podemos, então, concluir da leitura dos diversos capítulos da Crónica de D. João I que o povo de Lisboa tem um papel ativo e decisivo neste período da História de Portugal, e que Fernão Lopes evidencia isso, mostrando a enorme consciência de comunidade deste povo, e que o desfecho dos acontecimentos advém do empenho, da sua força defensiva e anímica e da sua motivação coletiva, que levam esta massa de gente anónima a prevalecer sobre tanto sobre o inimigo quanto sobre a sua própria humanidade.

Prof. João Morais

terça-feira, 24 de novembro de 2015

Sociedade de Hoje: Ser ou Parecer?

A sociedade de hoje faz com que os seus membros se sintam excluídos se utilizarem bens considerados ultrapassados e se não seguirem o exemplo de certas personagens. Trata-se da prevalência do parecer sobre o ser a invadir a nossa vida privada sem nos apercebermos disso.

Todos os dias somos inundados por imagens e notícias das mais recentes aquisições de uma pequena percentagem da população. Com um misto de inveja e de admiração, muitos tentam imitá-los na sua atitude consumista e superficial.

Um exemplo disto é a família Kardashian. Tornaram-se famosos devido a um reality show e, desde aí, muitos seguem as suas vidas numa atitude de quase veneração. A sua notoriedade tem origem nos bens que possuem, em como se apresentam e na forma como agem. Objetivamente, não podemos dizer que a sociedade obtenha algum valor com a sua existência mas, ainda assim, devido a aspetos puramente superficiais, ganharam fama.

Atualmente, todos se sentem pressionados a passar uma impressão de riqueza e superioridade. Tal agrava-se quando se está sob o escrutínio da opinião pública, não podendo dar um passo em falso sem espoletar uma reação em cadeia.

Muitos atletas pelo mundo fora, por exemplo, futebolistas na Europa e jogadores de basquetebol nos Estados Unidos, criam uma imagem mítica à sua volta como parte de uma estratégia de marketing cuidadosamente elaborada. Esta assenta não só numa atitude de consumo irresponsável mas também sua forma física e nas suas relações privadas. Fazem parecer que o seu mundo é perfeito e que qualquer um que siga os seus passos terá o mesmo destino, instigando muitos jovens a desistir de tudo para ser como eles. 

Dir-se-ia que nunca antes nos preocupámos tanto em deixar transparecer a imagem certa, em possuir os bens desejados pela maioria e em agir segundo certos padrões que nem sempre nos fazem felizes. Como sociedade, devemos fazer um esforço para fazer parar esta tendência porque as aparências podem facilmente induzir em erro e levar-nos a deixar passar oportunidades únicas na vida.

Madalena Marques da Silva, nº 17 – 12ºF
Professor João Morais

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

A Infância em Álvaro de Campos


Álvaro de Campos, o heterónimo de Fernando Pessoa com a obra mais diversificada do ponto de vista da sua evolução e múltipla reactualização de tendências estéticas, explora o tema da infância num corpus muito considerável dos seus textos.

A infância é representada enquanto época feliz, o tempo em que o sujeito poético experimenta alegria, o que se opõe à realidade do presente, que corresponde ao tempo de infelicidade e de tédio.

No poema “Aniversário”, o sujeito poético, numa primeira parte, descreve as rotinas festivas que se passavam na sua infância (“A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos,/ O aparador com muitas coisas – doces, frutas, o resto na sombra debaixo do alçado”). Relatam-se esses dias de celebração, sendo dias felizes, de alegria partilhada pela família, de inocência e despreocupação, adquirindo uma dimensão mítica, pois ultrapassa as coordenadas do espaço e do tempo (“[…] era uma tradição de há séculos”). Ainda no mesmo texto, Campos lamenta-se por a infância se encontrar tão longe (“A que distância!...[…]/O tempo que festejava os meus anos!”) e por ser irrecuperável (“O que sou hoje é terem vendido a casa”). 

Álvaro de Campos, numa visita a Lisboa, escreve o poema “Lisbon Revisited (1923)”, para exprimir a sua abulia para com a sociedade moderna. Através de um tom coloquial e provocatório, afirma que na Lisboa da sua infância havia mais felicidade que na da atualidade (“Ó ceu azul – o mesmo da minha infância - / Eterna verdade vazia e perfeita”, “Ó magoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje!”). 

No poema “Ode Marítima”, o sujeito poético encontra-se num cais ao amanhecer e observa um paquete e toda a vida marítima ao seu redor (“Sozinho, no cais deserto, a esta manhã de verão”). À medida que o paquete começa a aproximar-se, o sujeito poético começa a perder a lucidez começando a pensar em piratas, os seus brinquedos prediletos quando criança (“Ó cousas navais, meus velhos brinquedos de sonho!”), mas, ao pensar em todas as brutalidades que os piratas faziam, dá-se conta de que a sua infância acabou e a sua inconsciência também (“E a minha infância feliz acorda, como uma lágrima, em mim”; “Ah, como pude eu pensar, sonhar aquelas coisas?”).

Este tempo de felicidade afigurar-se-á irrecuperável num corpus significativo da sua obra.

Para além do poema “Aniversário” já referido anteriormente, também em “Datilografia”, o sujeito poético afirma que a infância é o tempo para ser feliz (“Temos todos duas vidas: / A verdadeira, que é a que sonhámos na infância”), pois ainda não sabemos ler, nem pensar e só sentimos (“Há só ilustrações de infância: / Grandes livros coloridos, para ver mas não ler;”). O sujeito lírico idealiza a infância (“Outrora, / Quando fui outro, eram castelos e cavalarias”), mas acaba por acordar, devido ao barulho das máquinas, e dá-se conta do tédio e da angústia que sente na vida adulta (“Nesta morremos […] Se, desmeditando, escuto”). Surge, porém, no final do texto, a impossibilidade de, dado o “estalar” das máquinas, o sujeito dispersar-se e já não conseguir alhear-se do espaço físico – e do tempo presente! – da sua vida.

Na poética de Álvaro de Campos há, assim, uma oposição passado presente, que se configura no binómio infância idade adulta, numa representação maniqueísta que o aproxima do ortónimo bem como dos outros heterónimos. O tema da infância, não obstante o tratamento específico que tem nas diferentes máscaras pessoanas, acabará por conferir unidade à obra de Pessoa.

Cenário de Resposta do Grupo III do 1º Teste de Português

Mariana Araújo, 12º A
Professor João Morais

terça-feira, 27 de outubro de 2015

O tormento de amor nas cantigas de amigo

Cenário de resposta do texto expositivo sobre o tormento de amor nas cantigas de amigo
               
A cantiga de amigo é um género lírico de poesia trovadoresca, que consta dos nossos cancioneiros medievais, em que o sujeito poético é a donzela, que mostra o seu sentimento amoroso pelo amigo.
O sofrimento amoroso da donzela pode ter várias causas: pode estar ligado à vulnerabilidade que a donzela tem pela ausência do amigo, sendo a fragilidade reforçada pela ideia de perigo do mar («Sedia-m’eu na ermida de Sam Simiom», de Meendinho); pode estar ligada à quebra de uma promessa ou de um encontro entre a donzela e o amigo («Ai flores, ai flores do verde pino», de D. Dinis); ou pode simplesmente dever-se à saudade que a donzela tem do amigo («Ondas do mar de vigo», de Martim Codax).
Existe também um tipo de cantiga de importação provençal, a alba, em que a donzela e o amigo estão juntos numa relação amorosa, que parece ter chegado a uma situação crítica. Passa-se na aurora (daí o nome de alba), depois de a donzela passar a noite com o amigo. Neste caso, o tormento da donzela tem que ver com a iminência da rutura da relação amorosa («Levad’, amigo, que dormides as frias manhanas», de Nuno Fernandes Torneol).

 Em conclusão, nestas cantigas, de raiz autóctone, a donzela, jovem e inocente, conhece o tormento amoroso, sofrendo pela ausência, pela indiferença ou pela traição do amigo, numa expressão de  frescura e espontaneidade que é transversal aos jovens de todos os tempos.

Autoria: Joana Gomes, 10º C.  Prof. João Morais

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

O PENSAR ENQUANTO ELEMENTO ESTRUTURANTE EM PESSOA ORTÓNIMO - II


O pensamento é um elemento estruturante na poética de Fernando Pessoa ortónimo, marca ligada ao Modernismo presente na sua época. Uma vez que o pensar é predominante, a representação dos sentimentos será feita através de uma análise psicológica prévia.
Em Autopsicografia, Pessoa apresenta a sua arte poética onde o sentimento é apenas um ponto de partida para a elaboração da dor fingida – o que prevalece é a razão como guia do coração («Gira, a entreter a razão,/ Esse comboio de corda/ Que se chama coração.»).
No poema Isto, o sujeito lírico vai mais longe no primado da razão já que afirma sentir com a imaginação (referência à razão, resultado de um processo mental) e acrescenta: «Não uso o coração.» (marca de impessoalidade relativa ao Modernismo), ideia esta reforçada com a desvalorização e o desprezo do poeta pelos que se limitam às emoções – «Sentir? Sinta quem lê!» –, numa crítica velada ao gosto romântico que ainda existe nos alvores do século XX.
O exercício do pensar é mais uma vez apresentado no poema Ela canta, pobre ceifeira, contudo aqui presente como um momento disfórico. O poeta começa por apresentar o canto da ceifeira (estímulo), simples e feliz excluído de qualquer consciência. Mas, uma vez recebido o estímulo, o poeta toma consciência da incapacidade de receber alguma emoção sem primeiro exercitar o pensamento – «O que em mim sente ‘stá pensando.» –, causa de sofrimento representado em frases exclamativas e interjeições («Ah! Poder ser tu, sendo eu!/ Ter a tua alegre inconsciência,/ E a consciência disso!/ […] [A ciência] Pesa tanto e a vida é tão breve!»).
Também no poema Boiam leves, desatentos, o poeta é confrontado com incapacidade de a razão permitir o conhecimento de si mesmo («Meus pensamentos de mágoa»), uma vez que os seus pensamentos são «leves» e «desatentos», impossibilitando a compreensão duma imagem que teima em configurar-se do modo mais impercetível – «Não sei se para, se flui;/ Não sei se existe ou se dói.»
Em Tudo o que faço ou medito, Pessoa expressa a frustração sentida pela distância entre a vontade – «Querendo, quero o infinito.» – e a realidade – «Fazendo, nada é verdade.». Mais uma vez, há a oposição entre a razão e a felicidade, em que aquela impede a visão e compreensão («E eu sou um mar de sargaço»). A razão é ainda um entrave à realização pessoal do poeta, incapacitando-o de pôr em prática os projetos delineados ao nível do pensamento («Um mar onde boiam lentos/ Fragmentos de um mar de além...»).
Por outro lado, em Não sei se é sonho, se realidade, o sonho é ambicionado pelo poeta, que acredita ser esta a forma de alcançar a felicidade: «É a [ilha] que ansiamos.» Porém, ao pensar, o sonho desvirtua-se e «Sente-se o frio de haver luar» (apontamento de tristeza e desalento). Também neste poema, o pensar tem um efeito deletério, privando o sujeito poético do caminho da felicidade («Só de pensá-la cansou pensar,/ […] O mal cessa, não dura o bem.»)

Concluindo, Fernando Pessoa orienta a sua poética pelos modelos modernistas, sendo a razão o elo condutor na sua poética. Apesar disto, muitas vezes o pensamento é tido como um momento negativo que leva o poeta ao sofrimento, chegando a preferir o sonho como maneira de alcançar a felicidade. Assim, é coerente afirmar a impossibilidade de haver coexistência entre razão e emoção, uma vez tão contraditórias, daí a síntese impossível de que falam alguns estudiosos de Pessoa.

 Autoria: Francisca Neves e Castro - 12ºF. Prof. João Morais

O PENSAR ENQUANTO ELEMENTO ESTRUTURANTE EM PESSOA ORTÓNIMO - I




Na poética de Fernando Pessoa ortónimo, o elemento estruturante, explícita ou implicitamente, é o pensar, a razão. Assim, o sentir é invariavelmente desprezado e a forma legítima de representar os estados de alma é através da inteligência discursiva.



Foi no início da década de 30 do século XX que, na revista Presença, Pessoa ortónimo expôs a sua doutrina poética (os princípios fundamentais que guiavam a sua obra lírica). Esta, como é possível concluir em Isto, era fortemente marcada pelo anti-sentimentalismo típico do Modernismo (“Não uso o coração”; “Livre do meu enleio”).



O poeta mostra o seu desprezo pela tradição romântica, que valorizava o sentimento, ainda não totalmente extinta no seu tempo (“Sentir? Sinta quem lê!” in Isto).

Apesar deste distanciamento e desta atitude elitista em relação aos que utilizam o coração, em Autopsicografia, Pessoa admite utilizar o sentimento como ponto de partida para a criação poética (“Que chega a fingir que é dor / A dor que deveras sente”). Novamente em Isto, é através da razão que o poeta cria uma nova realidade totalmente imaginada e que considera mais perfeita do que a realidade onde vive (“Essa coisa é que é linda”), reforçando a preferência do pensar em detrimento do sentir.

Fernando Pessoa também utiliza o pensamento na sua incessante procura da diferença entre o sonho e a realidade. Em Não sei se é sonho se realidade, o sonho é privilegiado e começa por ser considerado o lugar onde se encontra a felicidade. Mas como o pensamento destrói o sonho (“Mas já sonhada se desvirtua/Só de pensá-la cansou pensar”) e, para Fernando Pessoa, pensar é inevitável, conclui-se que apenas conseguimos encontrar a felicidade dentro de nós mesmos, através da reflexão (“É em nós que é tudo”).

O pensar tem efeitos negativos, levando à dor e ao sofrimento. Em Ela canta, pobre ceifeira, o poeta apresenta-nos o quadro de uma mulher simples e ingénua, que vive feliz porque não exerce o pensar (“Ah, canta, canta sem razão!”). Pessoa inveja a ceifeira e deseja, tal como ela, existir sem as preocupações e a dor causadas pela ciência e pela razão (“A ciência/pesa tanto”). Originando um paradoxo, o poeta roga por ser capaz de não pensar e de ter a consciência da felicidade que isso lhe traz. Esta utopia acentua o sentimento de dor e conduz à dissolução do eu.

A solução para a dor provocada seria, então, fazer cessar o pensamento. Fernando Pessoa recorre à viagem como forma de não pensar (“Tornai/Minha alma a vossa sombra leve!/Depois, levando-me, passai!”), porque considera que a pluralidade de estímulos recebidos ao viajar nos permite deixar de ser nós mesmos e esquecer a dor experimentada.

Concluímos, assim, que Fernando Pessoa é influenciado pela rebeldia modernista que se reflete na defesa incondicional da razão em todos os seus planos programáticos. A permanente tentativa de conciliar o pensamento com a ignorância tem consequências como a melancolia e o tédio podendo apenas a viagem e eufonia dos versos salvar-nos da agonia da vida.
              Autoria: Madalena Marques da Silva - 12º F. Prof. João Morais

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Exame Nacional de Português (2007, 2ª Fase) - Cenários de Resposta

do grupo I A da prova que poderás encontrar em:
http://bi.gave.min-edu.pt/exames/download/portuguesB639_pef2_07.pdf?id=2973
                                                                                         Prof. João Morais

    1-      Caracterize os momentos temporais representados na primeira estrofe do poema.

Na primeira estrofe do poema são apresentados dois momentos temporais: a noite, no passado recente (v.1), e a madrugada, no instante presente (v.3). A noite é caracterizada como um tempo longo, de vigília, de insónia (“Em toda a noite o sono não veio”).

Passada a noite, surge a manhã “encoberta e fria” (“Agora/Raia do fundo/Do horizonte, encoberta e fria a manhã”). Segue-se um dia igual a todos os outros que já passaram (“Um dia igual a todos os outros, da eterna família/De serem assim”).

Tal como a manhã, a noite também não representa qualquer esperança para o sujeito lírico (“Nada que a noite acalme ou levante a aurora”). Os dois tempos têm, assim, uma relação de semelhança.
                                                      Joana Lopes (12ºA)
     2-      Refira um dos sentidos produzidos pela interrogação «Que faço eu no mundo

Um dos sentidos produzidos pela interrogação do verso 4 é o de que o sujeito lírico desespera porque não faz nada que tenha alguma importância, está numa situação de vida insolúvel, visto que o que faz não tem propósito.

Como não sabe o que fazer, autoquestiona-se (“Que faço eu no mundo?”) e como resposta à sua interrogação ele exclui a possibilidade de quer a «noite», quer a «manhã» poderem conferirem-lhe tranquilidade (“Nada que a noite acalme ou levante a aurora,”) e um sentido para a vida («Coisa séria ou vã.»).

Em qualquer caso, a sua interrogação deve-se a uma grande agitação interior.
                                            Bernardo Pintéus (12º A)
3-Atente nos três primeiros versos da terceira estrofe. Explicite, sucintamente, a relação entre a «noite» e a «manhã» estabelecida nos versos 14 e 15.
Entre a «noite» e a «manhã», nos versos 14 e 15 da composição, existe uma relação de identificação, mas também de continuidade, de metonímia – relação de causa efeito entre os dois tempos –, já que a causa de o segundo momento ser um tempo de tédio, de angústia existencial («horror»), reside na «essência» da «noite».

O sujeito poético considera, assim, a «manhã» o resultado, o efeito da «noite» (“Da manhã que vem / saindo lenta da própria essência da noite que era”).
                                               Vasco Taborda (12º F) 
4-Tendo em conta todo o poema, identifique duas das razões do sentimento de «horror» referido no verso 8.
sujeito poético, no verso 8, é tomado por um sentimento de "horror". Uma das razões que faz com que ele tenha essa reação é o facto de ele ver o amanhecer todos os dias, da mesma maneira, trazendo-lhe a certeza de que cada novo dia terá sempre a mesma vivência, a mesma deceção, a mesma falta de ânimo e esperança ("Vejo com horror/ o novo dia trazer-me o mesmo dia do fim/ Do mundo e da dor" - vv. 8-10).

Esse «horror» deve-se também ao desespero que o sujeito lírico experimenta porque o amanhecer traz sempre o mesmo dia, um dia igual aos outros, sem grande novidade ("Um dia igual aos outros" - v.11): aos seus olhos são um ciclo eterno, que nunca para ("da eterna família/ De serem assim" vv. 11-12). Ele tem plena consciência de que o tempo é completamente indiferente a esse ciclo eterno, à repetição dos dias sempre iguais.

[Outra razão do "horror" referido no verso 8 é o cansaço de tanto esperar por mudanças, por dias diferentes e não os obter ("Por tantas vezes ter 'sperado em vão" - v.17). O sujeito poético já não espera uma mudança na sua rotina, na sua vida e no mundo ("O mesmo dia trazer-me o mesmo dia do fim/ Do mundo e da dor" - vv.9-10). E por tanto esperar em vão, ele acaba por perder as esperanças de que essa mudança aconteça («Para quem / [...] / Já nada ’spera» – vv. 16-18). Ao perder a esperança, o poeta passa a considerar que tudo deixa de ter significado ("Nem um símbolo ao menos vale a significação" - v. 13).]                                                    Raíssa Silva (12º A)

Relação entre os poemas “Autopsicografia” e “Isto”


Os poemas “Autopsicografia” e “Isto”, de Fernando Pessoa ortónimo, apresentam como tema principal o fingimento poético e são marcados pelo confronto entre imaginar e sentir. O poeta descreve o funcionamento da sua mente quando exprime a sua arte, partindo da realidade, intelectualizando-a.
Em “Autopsicografia”, a dor é representada como um processo de fingimento, pois o poeta vai reelaborar a dor sentida numa dor intelectualizada no ato da criação literária (“O poeta é um fingidor.”). O processo de fingimento é tão elaborado que o poeta vai proceder a uma dor intelectualizada a partir da dor que inicialmente sente (“Finge tão completamente | Que chega a fingir que é dor | A dor que deveras sente. “). Primeiro, o sujeito poético sente a dor (“ A dor que deveras sente. “) e, depois, transforma-a numa dor fingida (“ Que chega a fingir que é dor “).
Na segunda estrofe, o sujeito poético alude ao prazer estético por parte do leitor. Este não sente a dor real que o poeta sentiu, nem a dor fingida que o poeta imaginou (“ Não as duas que ele teve, “), nem a dor que eles, leitores, têm (“ Na dor lida sentem bem, “), mas sim uma dor estética que provém da leitura, ou seja, uma dor intelectualizada que provém da interpretação do leitor ao ler o poema (“Mas só a que eles não têm. “).
A última estrofe apresenta, metaforicamente, a relação entre a razão e o coração. Se, por um lado, o “comboio de corda” é uma metáfora de coração, por outro lado, “calhas de roda” é igualmente uma metáfora de razão, o que significa que a dor sentida (“ A dor que deveras sente. “), relacionada com o coração, é comandada, intelectualmente, pela razão (“ Gira a entreter a razão, | Esse comboio de corda | Que se chama coração. “), que, assim, corresponde à dor fingida (“Que chega a fingir que é dor“), resultado de uma elaboração mental da primeira dor, que vem do coração.
O processo de transformação retratado no poema “Autopsicografia” é retomado no poema "Isto". No entanto, enquanto no poema “Autopsicografia” o poeta distingue entre sensação (dor sentida) e fingimento (dor fingida), aqui existe uma simultaneidade entre o sentir e a imaginação, ou razão. Aquilo que o poeta sente é imediatamente reelaborado pela razão (“ Eu simplesmente sinto com a imaginação. “) e não pelos sentimentos (“ Não uso o coração. “).
A segunda estrofe constitui uma confirmação do conteúdo da primeira estrofe, baseada na experiência vivida. Todas as contingências da vida real do poeta ("Tudo o que sonho ou passo, | O que me falha ou finda") são tudo aquilo que permite o acesso ao mundo sensível, que permite o exercício das sensações (“ É como que um terraço “) e não a um mundo inteligível, com uma realidade imaginada (“Sobre outra coisa ainda. | Essa coisa é que é linda.“).
 Na terceira estrofe, o sujeito lírico, em jeito de conclusão (“Por isso […]“), distancia-se de qualquer envolvimento ao nível da emoção e dos sentimentos (“Livre do meu enleio,“), optando por reelaborar no texto aquilo que foi produzido pela imaginação. No último verso (“Sentir? Sinta quem lê!“), o poeta ironiza, exibindo uma atitude de desprezo pelos leitores da tradição romântica, que valorizam o sentir e que têm a opinião de que o nosso Pessoa – referimos agora o autor – finge tudo o que escreve (“Dizem que finjo ou minto | Tudo que escrevo. […]“), por prezar a imaginação, ser racional e, assim, não se deixar envolver no sentimento.
Relativamente ao plano formal, ambos os poemas apresentam uma forte vertente de equilíbrio — ou não estivéssemos nós a falar da contenção das emoções!
No poema “Autopsicografia” existe isomorfismo, apresentando três quadras. No entanto, o poema “Isto”, apesar de também apresentar isomorfismo, é composto por três quintilhas. Sendo o  isometrismo uma marca dos dois textos, em “Autopsicografia”, os versos apresentam uma métrica regular de sete versos também chamada redondilha maior (“Finge tão completamente”); em “Isto”, a métrica já é de seis versos (“Tudo que escrevo. Não.”). A rima em “Autopsicografia” é sempre cruzada, ou seja, apresenta um esquema rimático de a,b,a,b (“[…] fingidor| […] completamente| […] dor| […] sente.”). O poema “Isto” apresenta um esquema rimático de a,b,a,b,b, tendo rimas cruzadas e emparelhadas (“[…] minto| […] Não.| […] sinto| […] imaginação.| […] coração.”). Quer num quer no outro texto há uma eufonia dos versos muito percetível para a qual concorre o ritmo muito marcado (alternado). Em ambos os poemas, o léxico e a sintaxe são de uma grande simplicidade, pelo menos no que toca às primeiras aparências…
Após a leitura dos dois poemas, é possível verificar que Fernando Pessoa, mais que nenhum outro escritor – não foi ele que levou a heteronímia até às últimas consequências?! –, recusa a poesia como expressão imediata das sensações, o está de acordo com o critério da despersonalização, transversal a muitos vultos do Modernismo, como renúncia do conceito da sinceridade.

Autoria: Sara Isabel Gonçalves Precatado, nº31, 12ºA, Prof. João Morais

terça-feira, 13 de outubro de 2015

Cantigas de Amigo - Breve Apresentação


 BREVE APRESENTAÇÃO DAS CANTIGAS DE AMIGO

A cantiga de amigo é um dos géneros de poesia trovadoresca ou poesia galaico-portuguesa, de origem popular, oral e tradicional. Neste tipo de poesia estão presentes três intérpretes: o trovador, que compunha estas cantigas; o jogral, que as executava e andava de corte em corte; e as soldadeiras, que dançavam ao som destas cantigas a troco do soldo. Estes intervenientes artísticos aparecem documentados nas iluminuras que nos ficaram do tempo mais tardio em que as cantigas ficaram registadas na escrita. Vejam-se a este título as iluminuras do pergaminho de Vindel, das cantigas de Martin Codax
Na cantiga de amigo a donzela exprime a sua situação amorosa em relação ao amigo, e o que provoca saudade é a ausência deste porque está normalmente ao serviço do rei ou na guerra contra os muçulmanos.
As amigas são confidentes do estado sentimental da donzela (as "avelaneiras" da bailia ou bailada «Bailemos nós já todas três, ai amigas», de Airas Nunes). O papel de confidente pode caber também à mãe ou à natureza: «Ai flores, ai flores do verde pino», de D. Dinis». Algumas destas cantigas são em forma de diálogo com a mãe («Digades, filha, mha filha velida»), com as amigas, ou com a natureza personificada («– Ai flores, ai flores do verde pino,/se sabedes novas do meu amigo!»; «– Vós me perguntades polo voss' amigo/e eu bem vos digo que é san' e vivo.»).
Existem vários subgéneros das cantigas de amigo. Temos o exemplo da bailia ou bailada, composta de tal maneira que podia ser cantada e dançada, e distingue-se pela sua marca musical, onde predominam o paralelismo e o refrão («Bailemos nós já todas três, ai amigas», de Airas Nunes). Outro dos subgéneros deste tipo de poesia trovadoresca é a barcarola ou marinha («Sedia-m'eu na ermida de Sam Simiom», de Meendinho), onde o mar constitui o elemento essencial. É o mar o motivo da separação dos apaixonados bem como o meio para o reencontro de ambos. As ondas simbolizam o tumulto interior do coração da apaixonada. Nestas cantigas, é ainda frequente a presença de ermidas onde a donzela se encontra geralmente isolada e a referência feita a romarias, daí o nome de outro subgénero: as cantigas de romaria.
O paralelismo é uma característica estrutural deste tipo de poesia e consiste na repetição simétrica de palavras e construções. O leixa-prem torna-se indispensável para a cantiga paralelística perfeita («Ai flores, ai flores do verde pino», de D. Dinis). Neste tipo de paralelismo os versos do primeiro dístico emparelham com os versos do segundo do mesmo par, variando apenas a palavra rimante. O terceiro dístico retoma o segundo verso do primeiro dístico e é inserido um novo verso, cuja variante aparecerá no dístico seguinte, e assim sucessivamente (leixa-prem). Quando não ocorre o paralelismo perfeito, verifica-se pelo menos a existência do paralelismo semântico, que consiste na repetição do conteúdo ao longo dos versos seguintes.
Outro dos aspetos das cantigas de amigo é a alternância da rima em /i/ e /a/, correspondendo, por exemplo, às palavras amigo e amado.
Nestas cantigas permanecem vários símbolos como o cervo na cantiga «Digades, filha, mha filha velida», de Pero Meogo, que representa a masculinidade e a presença do amigo.
Estas composições manifestam um amor espontâneo e promissor ou podem ser expressão de sofrimento devido ao amor não correspondido. Assim, são vários os estados de espírito revelados pela donzela, o amor tranquilo e a alegria da paixão; a ansiedade e a tristeza porque o amigo não dá notícias, dado que está ausente; os ciúmes e as promessas de vingança pela infidelidade por parte do amigo.

Em suma, é esta espontaneidade que ressalta da variedade de motivos que, ainda nos nossos dias, nos seduz e enternece.

Autor: Ana Amorim, nº 2, 10º C
Prof. João Morais

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Poesia Trovadoresca: uma síntese




  SÍNTESE

Poesia Trovadoresca


·  A primeira grande manifestação da Literatura Portuguesa.

·  Uma poesia elaborada por trovadores e executada (acompanhada de música, canto e dança) por jograis.

·  A linguagem de todos estes poemas era o galego-português ou galaico-português.



Os três agentes:

·  Os trovadores: nobres que compunham o poema e, muitas vezes, a música.

·  Os jograis: principais agentes transmissores da poesia trovadoresca; não pertenciam à classe nobre e divulgavam esta poesia, cantando-a, em troca de remuneração.

·  A soldadeira ou jogralesa: cantadeira ou dançarina, acompanhava o jogral.



 Os quatro diferentes períodos:

·  Período pré-alfonsino (até 1245).

·  Período alfonsino (até 1280)

·  Período dionisíaco (até 1300)

·  Período pós-dionisíaco (depois de 1300)



 Tipos de cantiga:

·  Lírica: de amigo, de amor.

·  Satírica: de escárnio, de maldizer.



      Cancioneiros:

Esta poesia está documentada nos mais antigos Cancioneiros da época trovadoresca. Mas seria errado pensar que a poesia portuguesa nasceu com os Cancioneiros; estes não passam de coleções mais ou menos tardias e limitadas  (segundo António José Saraiva e Óscar Lopes).

Os Cancioneiros (da Ajuda, da Vaticana, da Biblioteca Nacional, As Cantigas de Santa Maria) constituem um valiosíssimo documento histórico, linguístico e literário da nossa Idade Média, pois as tradições, os costumes, as ideias, as preocupações, o quotidiano dessa época estão presentes nas composições dos diferentes poetas.

      

A Cantiga de Amigo

1. Caráter popular, autóctone.

2.  Retrata, com razoável variedade e observação atenta, a psicologia feminina;

3. Ignoram, quase por completo, as imagens. Mas já insistem numa emblemática simbólica expressiva e universalmente reconhecida: a luz (o deslumbramento do amor), os cervos do monte turvando as águas (a natural confusão dos primeiros encontros amorosos), a noite (com seus mistérios, longa ou fugidia, tal qual o desamor ou o amor), as aves canoras (o renascer contínuo do enamoramento), etc..

4.   Aproveitam, com bastante felicidade, temas folclóricos. Também D. Dinis e outros poetas cultos se inspiraram na temática de canções do povo, chegando mesmo a transcrever delas alguns arcaísmos mais típicos.

5.  Testemunham uma conceção de vida cheia de primitivismo e quase infantil, antropomorfizando os animais e as coisas (aves, ondas, árvores). São, desta forma, reflexos dum viver no mundo só possível nas camadas populares.

6.  O vocabulário é pobre. A caracterização adjetiva é muito convencional. A beleza da donzela, por exemplo, é expressa, invariavelmente, por um destes termos: velida, louçana, bem talhada, fremosa ou fremosinha, mesurada.

7. Em algumas cantigas, o ritmo e a musicalidade são já um encanto.

8. Embora sem grandes implicações psicológicas, quase só através de contactos externos, começam a introduzir a Natureza na vida das protagonistas dos poemas.

9. Predomina um sentimento carateristicamente português – a saudade.

10. Estrutura estrófica e rítmica – técnica paralelística (aproximação da poesia à música – as pausas, o ritmo e a rima estão subordinados a um jogo de simetrias, em que predomina a repetição)


     Classificação quanto ao tema/assunto:
· Bailias ou Bailadas – para serem cantadas acompanhadas de dança.

·  Barcarolas ou Marinhas – os sentimentos expressos estão logados ao mar ou ao rio.

·  Albas – o assunto relaciona-se com a alvorada.

·  Cantigas de Romaria – referem romagens a santuários

·  Pastorelas – intervêm pastores

·  Tenções – a donzela dialoga com a mã, a amiga, a irmã ou o namorado (o amigo), contrariando-se sucessivamente.

   

 Papel da mãe:

·  Responsável pelo exercício da autoridade (o ambiente doméstico e familiar era marcado pela presença feminina; quando o homem partia para combater os Mouros ou acompanhava o rei, competia à mãe a responsabilidade e o governo da casa)

·  Vigilante

·  Confidente

·  Conselheira

·  Conivente



      Papel das amigas:

·  Confidente

·  Acompanhante nos encontros amorosos



       Papel da Natureza:

· Cenário

· Informadora

· Confidente



      Os elementos simbólicos:

· A fonte é origem da vida, da maternidade; as águas límpidas podem representar a pureza da donzela.

· A alva é símbolo da inocência, da pureza e da virgindade.

· Os cervos simbolizam a fecundidade; quando os cervos turvam a água, pretende-se simbolizar a confusão e o aturdimento dos encontros amorosos.

· As flores remetem para a delicadeza e feminilidade.

· As ondas traduzem o tumulto interior.

· As aves representam a sedução e o enamoramento.

· O vento pode relacionar-se com as inquietações.

· A luz traduz o deslumbramento do amor.

· A noite representa as incertezas do amor.



Estados sentimentais da amiga



          Fala-se, por vezes, na “ingenuidade” da cantiga d’amigo. O próprio editor delas diz, no Tomo I: “encantava-me a sua simplicidade, sentia-me atraído pela maneira ingénua como os variados sentimentos do coração humano ali eram reproduzidos, e sobretudo, não obstante essa singeleza, pela movimentação dos quadros e cenas que elas desenham, o que lhes comunica vida (que as de amor não possuem, sempre monótonas e hirtas como se fossem estátuas hieráticas… ); por elas perpassa certa ingenuidade, como aliás era de esperar de composições em que figuram donzelas inexperientes, que só encaram o amor pelo seu lado poético”.

          Esta atitude simplista da cantiga d’amigo é mais aparente: nem pelo que respeita à forma, nem pelo que concerne ao fundo. Com a sua penetração habitual, Nobiling, ao repor a cantiga d’amigo de Sancho I na sua verdadeira forma estrófica, que não é a que consta da coleção de J. J. Nunes, notava que é sempre arriscado atribuir às mais velhas cantigas uma forma imperfeita. Assim, também, quanto ao conteúdo, nos devemos guardar das primeiras impressões.

          A cantiga d’amigo, na sua expressão literária de paralelismo impuro, não é, felizmente para nós, uma coisa ingénua; é um produto refletido de arte, um feixe de observações do mais alto valor sobre o feitio da mulher. Toda a escala sentimental da vida amorosa da menina nos é comunicada com o mais vivo realismo: a timidez, o pudor alvoroçado e a inexperiência doo amor, a garridice, a travessura, a alegria e o orgulho de amar e ser amada, os pequeninos arrufos, as tristezas e ansiedades, a saudade, a impaciência e o ciúme, a crueldade e a vingança, a compaixão, o arrependimento e, finalmente, a reconciliação. Toda esta gama de emoções está representada em espécimes graciosos ou vibrantes de ternura e paixão femininas. Podemos reconstituir, com base na totalidade das cantigas, o romance completo e ideal da namorada.

          Encontraram-se na fonte, no monte, ou, mais certamente, junto à ermidinha, onde foram em romaria fazer oração. Como o autêntico amor português, o deles tem um carater fulminante e fatal:

Amiga, des que meu amigo vi,

el por mi morr’ e eu ando des i

namorada.



Des que o vi, primeiro lhi falei,

El por mi morre e eu d’ el fiquei

Namorada

          Este amor, porém, é um amor tímido: ele não lho ousa declarar abertamente, a ela não fica bem tomar a dianteira. E assim andam os dois algum tempo, numa doce e cruel incerteza:



O meu amigo non pod’ haver bem

de mi, amigas, vedes porque non:

el non mi o diz, assi deus me perdon,

nen lho digu’ eu, e assi nos aven:

el, com pavor, non mi o ousa mentar,

eu, amigas, non o posso rogar.



             Um dia, porém, o namorado vence a timidez, explode o seu afeto. E, naturalmente, manda-lhe pedir um encontro a sós. Começa o enleio da donzela, inexperiente em coisas de amor:



Vedes, amigas, meu amigo vem

e enviou-me dizer e rogar

que lh’ aguis’ eu de comigo falar,

e de tal preito non sei end’ eu ren;

e pesa-mi que m’ enviou dizer

que lhi faça o que non sei fazer.



Ca eu nunca com nulh’ ome falei,

tanto me non valha Nostro Senhor,

des que naci, nen ar foi sabedor

de tal fala, nen a fiz, nen a sei;

e pesa-mi que m’ enviou dizer

que lhi faça o que non sei fazer.



          E começa também aquele jogo de garridice e travessura, que acaba por entontecer o namorado. É o prelúdio do grande amor. Agora, à menina não restam já dúvidas sobre a sinceridade do amigo. E o seu amor desentranha-se numa alegria comunicativa e ufana:



Ai, meu amigo, meu, per boa fé

e non doutra, per boa fé, mais meu,

rogu’ eu a Dus, que mi vos oje deu,

que vos faça tan ledo seer meu amigo

quan leda fui oj’ eu, quando vos vi,

ca nunca foi tan leda, pois naci.



          Os primeiros arrufos vêm toldar aquele céu de felicidade: umas vezes por culpa dela, que lhe não foi falar à hora aprazada, outras e quase sempre por culpa dele, que partiu sem o seu consentimento (sem seu grado), ou não veio à entrevista, ou não esteve na despedida:



Amigo, quando me levou

mia madr’, a meu pesar, daqui,

non soubestes novas de mi;

e por maravilha tenho

por non saberdes quando vou,

nen saberdes quando venho.



          Mas, embora enganada, a donzela ama o seu traidor e afronta a vigilância da mãe, para ir esperá-lo à ermida do Soveral:



Nom mi digadeds, madre, mal, e irei

veel’ o sem verdade, que namorei,

na ermida do Soveral,

u m’ el fe muitas vezes coitada ‘star…

na ermida do Soveral.



Se el non vem i, madre, sei que farei:

el será sem verdad’ e eu morrerei

na ermida do Soveral,

u m’ el fez muitas vezes coitada ‘star…

na ermida do Soveral.



          O namorado ausenta-se, vai para cas del-rei. A amiga dirige-lhe, na véspera da partida, um saudoso adeus:



Amigo, querede-vos ir?

e bem sei eu que mi averrá:

em meentre morardes alá,

a quantos end’ eu vir viir

a todos eu preguntarei

Ccmo vos vai en cas del-rei.



          E. como ele tarda, longe dela, a pobre namorada consome-se de saudade, receando que outra o retenha:



Eu nunca dôrmio nada,

cuidand’ en meu amigo;

el, que tan mui tarda,

se outr’ amor á sigo,

erga-lo meu? Queria

morrer oj’ este dia!



          Enfim, tem novas de que o seu amigo chega. Radiante, corre para lá das portas da vila, esperar o namorado:



- Ai fremosinha, se bem ajades,

longi da vila quen asperades?

- Vin atender meu amigo.



          E então recomeçam os seus amores, com a sabida e saborosa intermitência do riso e das lágrimas.

          A donzela quer ter o amigo ao seu lado, furtando-se por vezes à guarda da mãe para o ver. Mais uma razão para ele não se ausentar sem seu mandado. Mas os homens são voláteis. Um dia, o amigo escapou-se-lhe de novo. Quando voltou, houve uma cena de lágrimas. Os dois choravam: ele pela violência da reprimenda, ela com dó de o ver chorar:



Pero que eu meu amigo roguei

que se non fosse, sol non se leixou

por mi de s’ ir e, quand’ aqui chegou,

por quant’ el viu que me lh’ eu assanhei

chorou tant muit’ e tan de coraçon

que chorei eu com doo d’ el enton.



          Não tardou a reconciliação. Um dia, o amigo entrou em casa da mãe; falou com ela; e, ao despedir-se, pôs os olhos cheios de alegria na namorada. Estavam cumpridos os seus votos: iam pertencer um ao outro. A donzela sente prazer inefável:

Vi-vos, madre, com meu amig’ aqui

oje falar e ouv’ en gran prazer,

porque o vi de cabo vós erger

led’ e tenho que mi faz Deus bem i,

ca, pois que s’ el ledo partiu daquen,

non pode seer senon por meu bem.


M.  Rodrigues Lapa, Lições de Literatura Portuguesa – época medieval



……………………………………………………….

El pôs os seus olhos nos meus enton,

Quando vistes que xi vos espediu,

E tornou contra vós led’ e riiu,

E por end’ ei prazer no coraçon,

Ca, pois que s’ el partiu daquen,

Non pode seer senon por meu bem.



          Um pouco mais, e terminava na igreja o romance da namorada.



               Síntese:

A cantiga de amigo constitui, essencialmente, a expressão da vida dos namorados, em tom de confidência espontânea, liberta dos condicionalismos a que obedece a cantiga de amor. A construção em paralelística perfeita favorecia a memorização, necessária ao canto, do conteúdo destas cantigas, cuja simplicidade remonta à tradição popular (oral) e à expressão do quotidiano e dos pequenos dramas amorosos da donzela da Idade média.



A Cantiga de Amor



1. Os sentimentos eróticos que exprimem são os de homem. Enquanto nas cantigas de amigo é a mulher que fala, nestas é o namorado que desfia as coitas de amor. Sendo dialogadas, é o homem que fala em primeiro lugar;

2.  Por influência do lirismo tradicional, algumas cantigas de amor estão dotadas de paralelismo imperfeito e semântico;

3.  Possuem algumas um variado e complicado formalismo estilístico. Nas canções de mestria, esse formalismo (dobre, mozdobre) vai abrindo caminho para os malabarismos estilísticos afectados da poesia do Cancioneiro Geral;

4.  Estão repassadas de simbologia amorosa bastante rica, por causa da teoria do amor cortês;

5. Há nas nossas cantigas de amor menos fingimento e, por conseguinte, maior sinceridade do que nas composições provençais;

6. Nota-se uma certa uniformidade na expressão e nos sentimentos, o que desanda, inevitavelmente, na monotonia temática.



As Cantigas de Escárnio e Maldizer

1.   São concretas e particulares – são raras as cantigas que visam defeitos de caráter geral e de um modo abstrato, como a cobardia, a mentira, a luxúria, etc.. Não atacam o vício em si; atacam os viciosos em concreto;

2. São, fundamentalmente, de caráter social embora não tivessem criado, propriamente, tipos psicológicos. Verberam, com insistência:

·    os membros do clero pouco edificantes;

·    os nobres, sobretudo perjuros, cobardes e empobrecidos;

·     os vários ofícios (jograis, soldadeiras, militares);

·    os vilãos;

·    entrega dos castelos ao conde de Bolonha (d. Afonso III);

·    traição dos cavaleiros de Afonso X;

·   a cruzada da Balteira (sátiras a Maria Peres);

·    polémica social;

·   censura de vícios e costumes da época: a avareza, a vaidade, a crença em agoiros, o casamento por rapto, a homossexualidade;
·    paródias a temas e formas da poesia lírica amorosa.

3. São, em parte, muito obscenas, de um realismo cru;

4.  Não se afastam muito dos moldes, já conhecidos, em que estão talhadas, sobretudo, as cantigas de amor. Há algumas de mestria e são frequentes as de refrão e as tenções;

5.  O vocabulário é bastante mais rico, variado e realista do que nas restantes cantigas.



DECADÊNCIA DA POESIA TROVADORESCA



A poesia trovadoresca conheceu um período áureo, que vai desde os princípios do século XIII até D. Dinis. Com a morte do Conde de Barcelos, D. Pedro, extinguiu-se de vez a voz dos trovadores, por variadas razões:



1.Desaparecimentos do mecenato real – muitos monarcas mantinham jograis no paço e, para os sustentar, obtinham dinheiro dos bens do Estado. Infanções e ricos-homens havia, também, que agasalhavam e gratificavam, generosamente, trovadores e jograis.

De D. Afonso IV para diante, os grandes do Reino abandonaram este tradicional mecenato. Deixaram de proteger os poetas. A situação piorou na Corte de Avis, onde a razão predominava sobre o sentimentalismo;

2. Aburguesamento da nação – o fim da guerra com os Mouros extinguiu de vez o contacto dos Portugueses com os Cruzados, sempre acompanhados de músicos e poetas; e, depois de D. Afonso III, acabou-se igualmente o contacto com os literatos da Provença.

Além disso, todos se entregaram ao comércio, ofício de resultados práticos excelentes. As pessoas enriqueciam. Não seria entre comerciantes e burgueses materializados que podiam medrar os poetas;

3. Após o reinado de D. Afonso IV, as nossas relações políticas com Espanha arrefeceram consideravelmente, até se tornarem tensas no tempo de D. Fernando e da Corte de Avis. Este antagonismo político contribuiu, e não pouco, para o antagonismo literário e o consequente abandono das formas poéticas até então comuns aos dois povos peninsulares. Por outro lado, os literatos de Castela começaram, já no século XIV, a reagir contra o uso do galaico-português, exprimindo o lirismo amoroso em língua castelhana.



Bibliografia:[1]

· Dicionário de Literatura, Direção de: Jacinto do Prado Coelho

· História da Literatura Portuguesa, António José Saraiva e Óscar Lopes

· Lições de Literatura portuguesa – época medieval, M. Rodrigues Lapa

· Literatura Prática, Lilaz Carriço

· Dicionário de Termos Literários, Harry Shaw




                                                                                            Autor: Prof. João Morais


[1] Na biblioteca da escola, tens ao teu dispor muitos materiais de consulta para esta disciplina. As obras apontadas constituem, apenas, um ponto de partida para as tuas pesquisas.