O BlogBESSS...

Bem-Vindos!


Blog ou Blogue, na grafia portuguesa, é uma abreviatura de Weblog. Estes sítios permitem a publicação e a constante atualização de artigos ou "posts", que são, em geral, organizados através de etiquetas (temas) e de forma cronológica inversa.


A possibilidade de os leitores e autores deixarem comentários, de forma sequencial e interativa, corresponde à natureza essencial dos blogues
e por isso, o elemento central do presente projeto da Biblioteca Escolar (BE).


O BlogBESSS é um espaço virtual de informação e de partilha de leituras e ideias. Aberto à comunidade educativa da ESSS e a todos os que pretendam contribuir para a concretização dos objetivos da BE:

1. Promover a leitura e as literacias;

2. Apoiar o desenvolvimento curricular;

3. Valorizar a BE como elemento integrante do Projeto Educativo;

4. Abrir a BE à comunidade local.


De acordo com a sua natureza e integrando os referidos objetivos, o BlogBESSS corresponde a uma proposta de aprendizagem colaborativa e de construção coletiva do Conhecimento, incentivando ao mesmo tempo a utilização/fruição dos recursos existentes na BE.


Colabore nos Projetos "Autor do Mês..." (Para saber como colaborar deverá ler a mensagem de 20 de fevereiro de 2009) e "Leituras Soltas..."
(Leia a mensagem de 10 de abril de 2009).


Não se esqueça, ainda, de ler as regras de utilização do
BlogBESSS e as indicações de "Como Comentar.." nas mensagens de 10 de fevereiro de 2009.


A Biblioteca Escolar da ESSS

PS - Uma leitura interessante sobre a convergência entre as Bibliotecas e os Blogues é o texto de Moreno Albuquerque de Barros - Blogs e Bibliotecários.


domingo, 27 de dezembro de 2009

Biografia de Flor Bela Espanca...

Florbela Espanca

Natural de Vila Viçosa a 8 de Dezembro de 1894, filha de João Maria Espanca e sua empregada Antónia da Conceição Lobo foi baptizada com o nome de Flor Bela de Alma da Conceição Espanca uma das figuras com maior relevo da poesia portuguesa do século XX.
João Maria Espanca e a sua mulher, Maria Espanca criaram Florbela Espanca após o falecimento de Antónia da Conceição Lobo em 1908. Embora tivesse sempre acompanhado a vida da filha, João Maria Espanca apenas a perfilhou 19 anos após a sua morte, por altura da inauguração do seu busto, em Évora, e por insistência de um grupo de admiradores seus.

Em 1903 Florbela Espanca escreveu o primeiro poema de que temos conhecimento, A Vida e a Morte.

Estudou no liceu de Évora, mas só depois do seu casamento com Alberto Moutinho (no dia de seu aniversário em 1913) concluiu os estudos secundários na secção de Letras em 1917.
Em Outubro desse mesmo ano matriculou-se no curso de Direito sendo a primeira mulher a frequentar este curso na Universidade de Lisboa.
Na capital, contactou com outros poetas da época e com o grupo de mulheres escritoras que então procurava impor-se.
Em 1919, quando frequentava o terceiro ano de Direito, sofreu um aborto involuntário. Publicou, então, a sua primeira obra poética, Livro de Mágoas. É nessa época que Florbela começou a apresentar sintomas mais sérios de desequilíbrio mental.
Em 1921 divorciou-se de Alberto Moutinho, de quem vivia separada havia alguns anos, passando a encarar o preconceito social decorrente. No ano seguinte casou-se pela segunda vez, no Porto, com o oficial de artilharia António Guimarães.
Em 1923, publicou o Livro de Sóror Saudade. Florbela sofreu novo aborto, e seu marido pediu o divórcio. Em 1925 casou-se pela terceira vez, com o médico Mário Laje, em Matosinhos.
Os casamentos falhados, assim como as desilusões amorosas, em geral, e a morte do irmão, Apeles Espanca (a quem Florbela estava ligada por fortes laços afectivos), num acidente com o avião que tripulava sobre o rio Tejo, em 1927, marcaram profundamente a sua vida e obra.
Tentou o suicídio em Outubro e Novembro de 1930, às vésperas da publicação de sua obra-prima, Charneca em Flor. Em dois de Dezembro de 1930, Florbela encerra seu Diário do Último Ano com a seguinte frase: “… e não haver gestos novos nem palavras novas.” Após o diagnóstico de um edema pulmonar, suicida-se no dia do seu 36º aniversário, 8 de Dezembro de 1930, utilizando uma dose elevada de Veronal.
Algumas décadas depois seus restos mortais foram transportados para Vila Viçosa, “… a terra alentejana a que entranhadamente quero”.

8 de Dezembro 8 de Dezembro 8 de Dezembro 8 de Dezembro 8 de Dezembro 8 de Dezembro 8 de Dezembro 8 de Dezembro 8 de Dezembro 8 de Dezembro 8 de Dezembro 8 de Dezembro de Dezembro 8 de Dezembro 8 de Dezembro 8 de Dezembro 8 de Dezembro 8 de Dezembro 8 de Dezembro8 de Dezembro 8 de Dezembro

Curiosamente, Florbela Espanca nasceu a 8 de Dezembro (1894), casou a 8 de Dezembro (1913), suicidou-se a 8 de Dezembro (1930), foi baptizada na Igreja de Nª Sª da Conceição, aos 8 anos adoptou o nome "da Conceição", e leccionou no Colégio de Nª Sª da Conceição, em Évora. O dia 8 de Dezembro era ainda o dia da Mãe, da mãe que Florbela não conheceu bem e que não foi a sua educadora "não me recordo nem da cor dos seus cabelos..."

Recolha e Organização: Prof.ª Verónica Carvalho

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

A obra de Fernando Pessoa...


A obra


O seu percurso intelectual dificilmente se descreve em poucas linhas. É sobretudo o relato de uma grande viagem de descoberta, à procura de algo divino mas sempre desconhecido. Essa procura efectuou-a Pessoa com recurso a todas as armas – metafísicas, religiosas, racionalistas – mas sem ter chegado a uma conclusão definitiva, enfim exclamando que todos os caminhos são verdadeiros e que o que é preciso é navegar (no mundo das ideias).
Ficou sobretudo conhecido como grande prosador do modernismo (ou futurismo) em Portugal. Expressando-se tanto com o seu próprio nome, como através dos seus heterónimos. Entre os mais de setenta, ficaram famosos três: Alberto Caeiro, Álvaro de Campos e Ricardo Reis. Sendo que as suas participações literárias se espalhavam por inúmeras publicações, das quais se destacam: Athena, Presença, Orpheu, Centauro, Portugal Futurista, Contemporânea, Exílio, A Águia, Gládio. Estas colaborações eram tanto em prosa como em verso.
Levando uma vida relativamente apagada, movimentando-se num círculo restrito de amigos que frequentavam as tertúlias intelectuais dos cafés da capital, envolveu-se nas discussões literárias e até políticas da época. Colaborou na revista A Águia, da Renascença Portuguesa, com artigos de crítica literária sobre a nova poesia portuguesa, imbuídos de um sebastianismo animado pela crença no surgimento de um grande poeta nacional, o «super-Camões». Data de 1913 a publicação de «Impressões do Crepúsculo» (poema tomado como exemplo de uma nova corrente, o paúlismo, designação advinda da primeira palavra do poema) e de 1914 o aparecimento dos seus três principais heterónimos, segundo indicação do próprio Fernando Pessoa, em carta dirigida a Adolfo Casais Monteiro, sobre a origem destes.
Em 1915, com Mário de Sá-Carneiro (seu dilecto amigo, com o qual trocou intensa correspondência e cujas crises acompanhou de perto), Luís de Montalvor e outros poetas e artistas plásticos com os quais formou o grupo «Orpheu», lançou a revista Orpheu, marco do modernismo português, onde publicou, no primeiro número, Opiário e Ode Triunfal, de Campos, e O Marinheiro, de Pessoa ortónimo, e, no segundo, Chuva Oblíqua, de Fernando Pessoa ortónimo, e a Ode Marítima, de Campos. Publicou, ainda em vida, Antinous (1918), 35 Sonnets http://www.gutenberg.org/etext/19978) (1918), e três séries de English Poems (publicados, em 1921, na editora Olisipo, fundada por si). Em 1934, concorreu com Mensagem a um prémio da Secretaria de Propaganda Nacional, que conquistou na categoria B, devido à reduzida extensão do livro. Colaborou ainda nas revistas Exílio (1916), Portugal Futurista (1917), Contemporânea (1922-1926, de que foi co-director e onde publicou O Banqueiro Anarquista, conto de raciocínio e dedução, e o poema Mar Português), Athena (1924-1925, igualmente como co-director e onde foram publicadas algumas odes de Ricardo Reis e excertos de poemas de Alberto Caeiro) e Presença.

Nos seus últimos anos de vida sentiu com angústia e desespero a falta de reconhecimento e realização dos seus projectos intelectuais. Apenas viu publicado o poema Mensagem, deixando um vasto espólio que ainda hoje não foi completamente analisado e publicado.
O grupo da Presença valorizou e difundiu parte desse espólio. A partir de 1943, Luís de Montalvor deu início à edição das obras completas de Fernando Pessoa, abrangendo os textos em poesia dos heterónimos e de Pessoa ortónimo. Foram ainda sucessivamente editados escritos seus sobre temas de doutrina e crítica literárias, filosofia, política e páginas íntimas. Entre estes, contam-se a organização dos volumes poéticos de Poesias (de Fernando Pessoa), Poemas Dramáticos (de Fernando Pessoa), Poemas (de Alberto Caeiro), Poesias (de Álvaro de Campos), Odes (de Ricardo Reis), Poesias Inéditas (de Fernando Pessoa, dois volumes), Quadras ao Gosto Popular (de Fernando Pessoa), e os textos de prosa de Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação, Páginas de Estética e de Teoria e Crítica Literárias, Textos Filosóficos, Sobre Portugal — Introdução ao Problema Nacional, Da República (1910-1935) e Ultimatum e Páginas de Sociologia Política. Do seu vasto espólio foram também retirados o Livro do Desassossego por Bernardo Soares e uma série de outros textos.

English Poems

Meantime
Far away, far away, Far away from here... There is no worry after joy Or away from fear Far away from here.
Her lips were not very red, Not her hair quite gold. Her hands played with rings. She did not let me hold Her hands playing with gold.
She is something past, Far away from pain. Joy can touch her not, nor hope Enter her domain, Neither love in vain.
Perhaps at some day beyond
Shadows and light
She will think of me and make
All me a delight
All away from sight.

Poesias Inéditas
Há uma música do povo,
Nem sei dizer se é um fado
Que ouvindo-a há um ritmo novo
No ser que tenho guardado...
Ouvindo-a sou quem seria
Se desejar fosse ser...
É uma simples melodia
Das que se aprendem a viver...
E ouço-a embalado e sozinho...
É isso mesmo que eu quis ...
Perdi a fé e o caminho...
Quem não fui é que é feliz.
Mas é tão consoladora
A vaga e triste canção ...
Que a minha alma já não chora
Nem eu tenho coração ...
Sou uma emoção estrangeira,
Um erro de sonho ido...
Canto de qualquer maneira
E acabo com um sentido!

Recolha e organização: Verónica Carvalho

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

A obra de Fernando Pessoa...


Os heterónimos


A questão humana dos heterónimos, tanto ou mais que a questão puramente literária, tem atraído as atenções gerais. Concebidos como individualidades distintas da do autor, este criou-lhes uma biografia e até um horóscopo próprios. Encontram-se ligados a alguns dos problemas centrais da sua obra: a unidade ou a pluralidade do eu, a sinceridade, a noção de realidade e a estranheza da existência. Traduzem, por assim dizer, a consciência da fragmentação do eu, reduzindo o eu «real» de Pessoa a um papel que não é maior que o de qualquer um dos seus heterónimos na existência literária do poeta. Assim questiona Pessoa o conceito metafísico de tradição romântica da unidade do sujeito e da sinceridade da expressão da sua emotividade através da linguagem. Enveredando por vários fingimentos, que aprofundam uma teia de polémicas entre si, opondo-se e completando-se, os heterónimos são a mentalização de certas emoções e perspectivas, a sua representação irónica pela inteligência. Deles se destacam três: Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos.

Segundo a carta de Fernando Pessoa sobre a génese dos seus heterónimos, Alberto Caeiro (1885-1915) é o Mestre, inclusive do próprio Pessoa ortónimo. Nasceu em Lisboa e aí morreu, tuberculoso, em 1915, embora a maior parte da sua vida tenha decorrido numa quinta no Ribatejo, onde foram escritos quase todos os seus poemas, os do livro O Guardador de Rebanhos, os de O Pastor Amoroso e os Poemas Inconjuntos, sendo os do último período da sua vida escritos em Lisboa, quando se encontrava já gravemente doente (daí, segundo Pessoa, a «novidade um pouco estranha ao carácter geral da obra»). Sem profissão e pouco instruído (teria apenas a instrução primária), e, por isso, «escrevendo mal o português», órfão desde muito cedo, vivia de pequenos rendimentos, com uma tia-avó. Caeiro era, segundo ele próprio, «o único poeta da natureza», procurando viver a exterioridade das sensações e recusando a metafísica, caracterizando-se pelo seu panteísmo e sensacionismo que, de modo diferente, Álvaro de Campos e Ricardo Reis iriam assimilar.

Ricardo Reis nasceu no Porto, em 1887. Foi educado num colégio de jesuítas, recebeu uma educação clássica (latina) e estudou, por vontade própria, o helenismo (sendo Horácio o seu modelo literário). Essa formação clássica reflecte-se, quer a nível formal (odes à maneira clássica), quer a nível dos temas por si tratados e da própria linguagem utilizada, com um purismo que Pessoa considerava exagerado. Médico, não exercia, no entanto, a profissão. De convicções monárquicas, emigrou para o Brasil após a implantação da República. Pagão intelectual, lúcido e consciente, reflectia uma moral estoico-epicurista, misto de altivez resignada e gozo dos prazeres que o não comprometessem na sua liberdade interior, e que é a resposta possível do homem à dureza ou ao desprezo dos deuses e à efemeridade da vida.
Álvaro de Campos, nascido em Tavira em 1890, era um homem viajado. Depois de uma educação vulgar de liceu formou-se em engenharia mecânica e naval na Escócia e, numas férias, fez uma viagem ao Oriente, de que resultou o poema Opiário. Viveu depois em Lisboa, sem exercer a sua profissão. Dedicou-se à literatura, intervindo em polémicas literárias e políticas. É da sua autoria o Ultimatum, publicado no Portugal Futurista, manifesto contra os literatos instalados da época. Apesar dos pontos de contacto entre ambos, travou com Pessoa ortónimo uma polémica aberta. Protótipo do vanguardismo modernista, é o cantor da energia bruta e da velocidade, da vertigem agressiva do progresso, de que a Ode Triunfal é um dos melhores exemplos, evoluindo depois no sentido de um tédio, de um desencanto e de um cansaço da vida, progressivos e auto-irónicos.

De entre outros, de menor expressão, destaca-se ainda o semi-heterónimo Bernardo Soares, ajudante de guarda-livros que sempre viveu sozinho em Lisboa e revela, no seu Livro do Desassossego, uma lucidez extrema na análise e na capacidade de exploração da alma humana.

Quanto a Fernando Pessoa ortónimo, segue, formalmente, os modelos da poesia tradicional portuguesa, em textos de grande suavidade rítmica e musical. Poeta introvertido e meditativo, anti-sentimental, reflecte inquietações e estranhezas que questionam os limites da realidade da sua existência e do mundo. O poema Mensagem, exaltação sebastiânica que se cruza com um certo desalento, numa expectativa ansiosa de ressurgimento nacional, revela uma faceta esotérica e mística do poeta, manifestada também nas suas incursões pelas ciências ocultas e pelo rosa-crucianismo.

“Eu não escrevo em português. Escrevo eu mesmo”
“Tenho em mim todos os sonhos do mundo”
“Sentir é criar. Sentir é pensar sem ideias, e por isso sentir é compreender, visto que o universo não tem ideias.”
“A maioria pensa com a sensibilidade, eu sinto com o pensamento. Para o homem vulgar, sentir é viver e pensar é saber viver. Para mim, pensar é viver e sentir não é mais que o alimento de pensar.”
“Querer não é poder. Quem pôde, quis antes de poder só depois de poder. Quem quer nunca há-de poder, porque se perde em querer.”
“O próprio viver é morrer, porque não temos um dia a mais na nossa vida que não tenhamos, nisso, um dia a menos nela.”
“Precisar de dominar os outros é precisar dos outros. O chefe é um dependente.”
“Eu sei que não sou nada e que talvez nunca tenha tudo. Aparte isso, eu tenho em mim todos os sonhos do mundo.”

Alberto Caeiro
Quando tornar a vir a Primavera
Talvez já não me encontre no mundo.
Gostava agora de poder julgar que a Primavera é gente
Para poder supor que ela choraria,
Vendo que perdera o seu único amigo.
Mas a Primavera nem sequer é uma cousa:
É uma maneira de dizer.
Nem mesmo as flores tornam, ou as folhas verdes.
Há novas flores, novas folhas verdes.
Há outros dias suaves.
Nada torna, nada se repete, porque tudo é real.



Álvaro de Campos
Que noite serena! Que lindo luar! Que linda barquinha Bailando no mar! Suave, todo o passado - o que foi aqui de Lisboa - me surge... O terceiro andar das tias, o sossego de outrora, Sossego de várias espécies, A infância sem futuro pensado, O ruído aparentemente contínuo da máquina de costura delas, E tudo bom e a horas, De um bem e de um a-horas próprio, hoje morto.
Meu Deus, que fiz eu da vida?
(…)

Ricardo Reis

Para os deuses as coisas são mais coisas.
Não mais longe eles vêem, mas mais claro
Na certa Natureza
E a contornada vida...
Não no vago que mal vêem
Orla misteriosamente os seres,
Mas nos detalhes claros
Estão seus olhos.
A Natureza é só uma superfície.
Na sua superfície ela é profunda
E tudo contém muito
Se os olhos bem olharem.
Aprende, pois, tu, das cristãs angústias,
Ó traidor à multíplice presença
Dos deuses, a não teres
Véus nos olhos nem na alma.


Cancioneiro

Autopsicografia

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.



"O Corvo", poema de Edgar Allan Poe traduzido por Fernando Pessoa

FERNANDO PESSOA (1888-1935)


O CORVO

Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste,
Vagos, curiosos tomos de ciências ancestrais,
E já quase adormecia, ouvi o que parecia
O som de alguém que batia levemente a meus umbrais
«Uma visita», eu me disse, «está batendo a meus umbrais.
É só isso e nada mais.»

Ah, que bem disso me lembro! Era no frio dezembro,
E o fogo, morrendo negro, urdia sombras desiguais.
Como eu qu'ria a madrugada, toda a noite aos livros dada
P'ra esquecer (em vão) a amada, hoje entre hostes celestiais —
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais,
Mas sem nome aqui jamais!
Como, a tremer frio e frouxo, cada reposteiro roxo
Me incutia, urdia estranhos terrores nunca antes tais!
Mas, a mim mesmo infundindo força, eu ia repetindo,
«É uma visita pedindo entrada aqui em meus umbrais;
Uma visita tardia pede entrada em meus umbrais.
É só isso e nada mais».
(……)


EDGAR ALLAN POE (1809-1849)

THE RAVEN
Once upon a midnight dreary, while I pondered, weak and weary
Over many a quaint and curious volume of forgotten lore,
While I nodded, nearly napping, suddenly there came a tapping,
As some one gently rapping at my chamber door.
‘ ’Tis some visitor,’ I muttered, ‘tapping at my chamber door—
Only this, and nothing more.’
Ah, distinctly I remember it was in the Bleak December,
And each separate dying ember wrought its ghost upon the floor.
Eagerly I wished the morrow; —vainly I had sought to borrow
From my books surcease of sorrow—sorrow for the lost Lenore—
For the rare and radiant maiden whom the angels name Lenore—
Nameless here for evermore
And the silken sad uncertain rustling of each purple curtain
Thrilled me—filled me with fantastic terrors never felt before;
So that now, to still the beating of my heart, I stood repeating,
‘ ’Tis some visitor entreating entrance at my chamber door—
Some later visitor entreating entrance at my chamber door;—
This it is, and nothing more.’

( …)
Recolha e organização: Verónica Carvalho